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quarta-feira, 17 de março de 2010

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=983527&tit=Os-diarios-secretos-da-Assembleia

EDITORIAL

Os diários secretos da Assembleia

Publicado em 17/03/2010
A Assembleia Legislativa do Paraná desafia os mais importantes princípios constitucionais da boa administração pública – legalidade, transparência, eficiência, publicidade, moralidade e impessoalidade. Em alguma medida, cada um desses é afetado pelo o que acontece dentro do Legis lativo paranaense. As regras que determinam publicidade aos atos oficiais não conseguem cumprir todo o seu destino, apesar do insistente discurso de transparência proclamados pela direção da Casa. Prova disso são os diários oficiais mantidos escondidos, como se fos sem propriedade privada. É dentro da Assembleia, mais precisamente no subsolo do prédio no Centro Cí vico, que esses documentos são fabricados e de lá se guem, não se sabe para onde, com pouquíssimas pessoas tendo acesso a eles. Até para folhear as páginas dos diários no setor de arquivo da Casa é preciso autorização expressa da direção do Legislativo.
Investidos de uma espécie de máquina do tempo, a Assembleia Legislativa faz contratações e demissões retroativas em meses, até em anos, e outras antecipadas, como se o responsável pela publicação já adivinhasse quando um empregado seria contratado ou demitido. O número de funcionários divulgados pela direção em 2009 é peça de ficção. O verdadeiro pode estar atrelado aos Diários Avulsos ou, ainda, vinculado a atos que não foram, até hoje, publicados.
É o que mostra a série de reportagens especiais publicadas esta semana pela Gazeta do Povo sobre o que aconteceu dentro da Assembleia Legislativa do Paraná nos últimos dez anos. O trabalho de reportagem, que durou quase dois anos, foi feito em conjunto com a TV Pa ra naen se, que também integra a Rede Paranaense de Co mu nicação, que exibiu na segunda-feira a primeira re portagem da série. Um trabalho demorado e cuidadoso. A reportagem da RPC consultou mais de 700 diários publicados en tre 1998 e 31 de março de 2009 – data em que o Legis lativo do estado divulgou a lista dos seus servidores. Os documentos oficiais, apesar de públicos, sempre estiveram distantes dos olhos da sociedade. Por diversas vezes, a Gazeta do Povo tentou, em vão, descobrir o que revelavam os Diários – um documento que, por definição, de veria estar disponível a qualquer cidadão. O sigilo desrespeita leis federais e estaduais que dão à sociedade o direito de saber como a Assembleia administra o orçamento – R$ 319 milhões em 2009.
Por causa desse sigilo a que ficaram relegados os diários oficiais, jamais se soube, por exemplo, da nomeação de duas mulheres que nunca trabalharam na Assembleia e que, como mostraram as imagens feitas pela RPC, vivem em uma casa modestíssima na cidade de Cerro Azul. São fraudes grosseiras nas contratações. Ao negar que tenham ficado com o dinheiro que foi depositado em contas que levam seus nomes, mais de R$ 1,5 milhão, as agricultoras rurais dão elementos que apontam para a existência de um esquema de desvio de recursos públicos dentro da Casa.
Nas folhas dos diários que não chegam ao público, escondem-se outros absurdos administrativos. Exemplo típico é a contratação de uma servidora, publicada no diário 24, de 26 de março de 2008. Aparentemente parece mais um ato corriqueiro da mesa executiva que nomeia um servidor para o setor de coordenadoria de cerimonial e relações. No entanto, ao se observar a data da nomeação, em que ela efetivamente teria começado a trabalhar, surge o inusitado: 6 de junho de 2001. Uma contratação retroativa em seis anos. Levando-se em conta as regras do funcionalismo público, como justificar que uma servidora possa trabalhar durante tanto tempo sem ter sua nomeação formalizada?
Outro exemplo é uma contratação de mais uma servidora, que teria começado a trabalhar em 1.º de abril de 2004, mas a publicação de sua nomeação só aconteceu quatro anos depois, no diário número 10, de 27 de fevereiro de 2008. Se retroagir no tempo parece absurdo, o que dizer das contratações futuras, verdadeiras adivinhações promovidas pela administração da Assembleia Legislativa.
As movimentações dos servidores aparecem em Diários Oficiais numerados, mas as contratações e exoneração aparecem, sobretudo, em diários avulsos, que não existem no Arquivo da Casa, uma das fontes de pesquisa utilizadas pela RPC.
Esses diários avulsos são publicações indefensáveis. Sem número algum, os “Avulsos” são desprovidos de uma sequência que permita qualquer fiscalização. Eles até carregam uma data de publicação, entretanto, são muitos os casos em que essas datas coincidem com as de outros Diários, numerados. Ou seja, no mesmo dia, dois Diários, um com número e um sem.
Nesse esquema de “vale tudo” em que se tornou a impressão dos Diários Oficiais, até o número verdadeiro de funcionários da Casa é um mistério. Nunca se sabe quando alguém será exonerado retroativamente ou nomeado antecipadamente, prática que se tornou corriqueira no Legislativo paranaense. São, enfim, distorções que absolutamente se coadunam com a ética que deve nortear a postura de uma casa de leis e, por conseguinte, a dos seus administradores.

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